Descoberta de CPV no charm

 

Descoberta de violação de CP em decaimentos de partículas charmosas.

Um importante marco na história da física de partículas.

Adaptado por Erica Polycarpo (IF/UFRJ) da página pública do LHCb em 21/3/2019


A Colaboração LHCb acaba de apresentar na conferência “Rencontres de Moriond EW”  e em um seminário especial do CERNa primeira observação de violação de CP em decaimentos de partículas charmosas. Os quarks podem ser divididos em dois setores: aqueles com a mesma carga elétrica que o quark up (quarks tipo-up, de carga +2/3), e aqueles com a mesma carga do quark down (quarks tipo-down, de carga -1/3). Diferenças nas propriedades da matéria e da antimatéria, originadas do chamado fenômeno da violação da simetria CP, foram observadas no passado usando os decaimentos dos mésons K e B, isto é, de partículas que contêm quarks estranhos (do inglês strange-quarks) ou belos (beauty quarks), que são ambos do tipo-down. Em contraste, apesar de décadas de buscas experimentais, a violação de CP nos decaimentos de partículas charmosas, isto é, contendo o quark charm, que é um quark tipo-up, escapou à detecção até agora. O resultado anunciado no dia 21/3 constitui a primeira observação de violação de CP nos decaimentos de uma partícula charmosa.

A violação de CP é um dos principais ingredientes necessários para explicar porque o universo de hoje é composto apenas de partículas de matéria, essencialmente sem presença residual de antimatéria. O fenômeno foi observado pela primeira vez em 1964 no decaimento dos mésons K neutros, e os dois físicos que fizeram a descoberta, James Cronin e Val Fitch, receberam o Prêmio Nobel de Física em 1980. Essa descoberta foi uma grande surpresa na época, uma vez que os físicos da área de partículas acreditavam firmemente que a simetria CP não poderia ser violada. No início dos anos 1970, trabalhando sobre as fundações estabelecidas por Nicola Cabibbo e outros alguns anos antes, Makoto Kobayashi e Toshihide Maskawa perceberam que a violação de CP poderia ser incluída naturalmente no arcabouço teórico que conhecemos hoje como o Modelo Padrão da física de partículas, desde que existissem pelo menos seis quarks diferentes na natureza. Sua ideia fundamental foi confirmada, três décadas depois, pela descoberta de violação de CP em decaimentos de partículas belas pelas colaborações BaBar e Belle, levando à concessão do Prêmio Nobel de Física em 2008 a Kobayashi e Maskawa. No Modelo Padrão, a existência e o tamanho geral da violação CP são determinados por um único parâmetro, embora a forma como ele se manifesta em um decaimento específico seja influenciada por vários outros. Os valores desses parâmetros fundamentais podem ser determinados experimentalmente pela medição de muitos processos diferentes de violação de CP. O conjunto combinado dessas medições, muitas das quais foram realizadas pelo LHCb, concorda muito bem com as previsões do Modelo Padrão para todos os efeitos de violação de CP conhecidos até agora na física de partículas. O Modelo Padrão também prevê uma pequena quantidade de violação de CP em decaimentos de partículas charmosas, em um nível que é difícil de calcular com exatidão, mas pode ser de até 10-3 – 10-4 nos modos de decaimento de interesse.

Os físicos do experimento LHCb estudaram as diferenças nas taxas de decaimento dos mésons D0 neutros, compostos por um quark charmoso (c) ligado por interações fortes com um anti-quark up (u), e mésons anti-D0 (D0), compostos por um antiquark charmoso (c) ligado a um quark up (u). O objetivo da análise é medir a diferença entre as taxas de decaimento dos mésons D0 e D0 decaindo em pares K+K ou em pares π+π-. Na prática, a medição consiste em contar os números de mésons D0 e D0 decaindo em pares K+K ou π+π- que estão presentes na amostra de dados registrada pelo LHCb em 2011-2018. O experimento LHCb coletou uma quantidade sem precedentes destes decaimentos, permitindo que os físicos desta colaboração conseguissem alcançar precisão suficiente para medir a minúscula violação de CP do setor de quarks charmosos. No entanto, esses decaimentos são idênticos para os mésons D0 e D0: como saber se o méson que decai é D0 ou D0 para entender se há mais mésons D0 ou D0 decaindo nos pares K+K (ou π+π-)?


Uma transformação de simetria-CP troca uma partícula com a imagem no espelho de sua anti-partícula. A colaboração LHCb observou uma quebra dessa simetria nos decaimento do méson D0 (ilustrado como a esfera grande à esquerda) e a sua antiparticula, o D0 (esfera grande à direita), em outras partículas (esferas menores). A intensidade da quebra foi deduzida da diferença entre o número de decaimentos observados em cada caso (altura das barras verticais, somente ilustrativas) .(Image: CERN)

Para responder a essa pergunta, os físicos do LHCb exploraram duas classes diferentes de decaimentos:
a) Os mésons D0 e D0 são produzidos a partir de decaimentos de mésons D*+(-), D*+ → π+D0 and D*- → π-D0. A presença de um $\pi^+$ na cadeia de decaimento indica a presença de um méson D0, enquanto um π- acompanha um méson D0.

b) Os mésons D0 e D0 são produzidos a partir dos chamados decaimentos de beleza semileptônicos, como por exemplo B+ → μ+νμD0 ou B- → μ-νμD0. Desta forma, a presença de μ+ identifica um méson D0, enquanto um μ- indica um D0.
O resultado final, que utiliza essencialmente a amostra total de dados coletados pelo LHCb até o momento, é dado pela quantidade ΔACP = (- 0.154 ± 0.029)%, cuja discrepância a partir do zero quantifica a quantidade de violação de CP observada. Esta observação difere de zero por 5.3σ (5.3 desvios padrão), ultrapassando assim o limiar de 5σ adotado pelos físicos de partículas para afirmar sem reservas que a medida corresponde a uma descoberta. Essa medida representa a primeira observação de violação de CP em decaimentos de partículas charmosas, abrindo um novo campo na física de partículas: o estudo de efeitos de violação de CP no setor de quarks tipo-up e pesquisas por novos efeitos físicos usando medidas de assimetria de CP no setor do charm.

Em particular, espera-se que seja possível medir violação de CP também nos decaimentos dos mésons D+(-), estudados com dados do mesmo experimento por membros do LAPE/IF-UFRJ. Saiba mais em LAPE/Charm.

Leia mais na apresentação de Moriond, na apresentação do CERN, no paper do LHCb, no comunicado de imprensa em Inglês e Francês, no artigo da The Conversation.